Projeções fantasmagóricas e flutuantes: características do ativismo digital da extrema-direita. Entrevista especial com Danniel Gobbi

“Observamos mecanismos operando em contextos diferentes e eles ajudam a explicar um pouco como democracias consolidadas e em franco processo de inclusão social, de crescimento e desenvolvimento, entram em um processo de esgarçamento do tecido social e das instituições democráticas”, afirma o pesquisador

Por: Edição Patricia Fachin, em IHU

O ativismo digital em curso no mundo, articulando manifestações e protestos nas democracias ocidentais, tem contribuído para a ascensão de movimentos políticos de direita que, por meio das tecnologias digitais, criam mecanismos de enquadramento dos fatos. No Brasil, segundo Danniel Gobbi, “enquadramentos simplistas e reducionistas” divulgados nas redes sociais criaram uma “nova identidade populista de direita, que deu fim ao fenômeno da direita envergonhada e começou um período de mobilização de uma extrema-direita antidemocrática”.

Na conferência ministrada no Instituto Humanitas Unisinos – IHU, em 17-11-2022, publicada a seguir no formato de entrevista, Gobbi analisa esse fenômeno à luz dos protestos favoráveis ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e comenta o perfil dos cinco movimentos de direita que mais contribuíram para a disseminação desses enquadramentos. “O motivo de as pessoas irem para as ruas, participar dos protestos, assinar petições e ajudar a pressionar os parlamentares a votar pelo impeachment da Dilma foi mais variável entre esses grupos. Isso explica a capacidade de ampliação do público que participou das manifestações pró-impeachment. No caso do Movimento Endireita Brasil, a moralidade, a religião e um criticismo da esquerda eram os aspectos que moviam o grupo. O Movimento Brasil Livre sempre fomentava a noção de participação nos protestos como algo engrandecedor e, posteriormente, o enquadramento de moralidade e religião era forte entre eles. O Movimento Nas Ruas apelava muito para um sentimento patriótico, um valor e um sentido de nação. O Movimento Revoltados On-line, de todos, era o que tinha maior apelo à religiosidade e, depois, ao nacionalismo. O Movimento Vem pra Rua trabalhava principalmente com a noção de que uma pressão sobre os políticos, instituições e empresários levaria às soluções necessárias, que, no caso, era o impeachment da presidente”.

Danniel Gobbi é graduado em Relações Internacionais e mestre em Ciência Política pela Universidade de Brasília – UnB. É docente e doutorando na Universidade Humboldt, de Berlim, e pesquisador associado no projeto intitulado Protesto e Ordem nas Democracias Ocidentais – POWDER, financiado pelo Conselho Europeu de Pesquisa. É também pesquisador visitante no Centro de Pesquisa em Extremismo – C-Rex, na Universidade de Oslo, na Noruega.

Confira a entrevista.
IHU – O que caracteriza o ativismo digital hoje?

Danniel Gobbi – Existe a ascensão de um ativismo de direita que atua por meio de tecnologias digitais e mecanismos de enquadramento. Quando falamos de mecanismos de enquadramento, o primeiro conceito que precisamos esclarecer é a ideia de enquadramento, que vem do inglês, frame, termo segundo o qual a comunicação verbal e não verbal carrega uma metamensagem, que é uma codificação de como os fenômenos sociais devem ser interpretados. Basicamente, é possível repetir o enquadramento, mudando o conteúdo da mensagem. Quando se repete a mensagem, mesmo que o enquadramento permaneça, ocorre o seguinte fenômeno: as pessoas se acostumam a uma certa forma de dar sentido ao mundo. Por exemplo, se existe uma catástrofe e alguém diz que é preciso “rezar para Deus” ou, em outro contexto, alguém diz “Deus me perdoe”, percebemos que há um enquadramento repetido, que é a noção de intervenção divina sobre a realidade.

Esse enquadramento, essa metamensagem, em vários casos, é mais importante do que a própria mensagem porque acostuma os sujeitos a entenderem e darem sentido ao mundo de uma determinada forma. Quando pensamos isso aplicado a teorias de movimentos sociais, os frames, os enquadramentos de ações coletivas, são um conjunto de crenças e significados que inspiram e legitimam as atividades e campanhas de um determinado movimento social. De outro modo, os movimentos sociais articulam crenças e significados para poder mobilizar as pessoas e para poder legitimar suas ações. Quando juntamos essa noção de que os movimentos e as organizações da sociedade civil, engajados politicamente, estão disseminando determinados enquadramentos sobre a realidade com a literatura sobre populismo, percebemos que este discurso também está construindo identidades coletivas, as quais são construções fantasmagóricas. Isto é, elas existem em um universo de abstração e não em um universo de projeção de valores. Ou seja, não têm uma concretude.

Povo
Um exemplo é a definição de “povo”. Trata-se de uma concepção completamente abstrata que foi se modificando ao longo do tempo. O que se atribuía como sendo povo brasileiro em 2010 é completamente diferente do sentido que se dava em 2015. Então, a construção de laços coletivos, a partir de projeções fantasmagóricas, articulam o que Ernesto Laclau chama de “demandas” em torno de um mesmo significante, cujo significado é vazio e flutuante. A unidade de análise dele para entender a construção de identidades é a noção de demandas, que podem ter uma dimensão afetiva, de reconhecimento. Ou seja, não necessariamente se referem a questões materiais, mas demandas de valores, de reconhecimento e de projeção social.

IHU – Que enquadramentos de mecanismos populistas observou durante o processo de impeachment da ex-presidente Dilma?

Danniel Gobbi – Dentro do processo de impeachment da ex-presidente Dilma esteve presente, com muita força, o mecanismo do antagonismo, que é uma forma de construção de identidade. Para definir o que se é coletivamente, é preciso identificar quem são as pessoas que pertencem a uma identidade coletiva. No caso da identidade do cidadão de bem, do patriota e do povo brasileiro, como foi bastante articulado pelas organizações que estavam fazendo a campanha pela derrubada da Dilma, essas pessoas eram colocadas em oposição, em antagonismo, ao resto da população que era entendida como sendo a esquerda e os petistas. Ou seja, foi feita uma articulação de atores que estavam fora dessa articulação. O mais importante é que essa articulação, quando funciona por um modo de antagonismo, é incompatível com a noção de uma sociedade plural. Ela implica que uma parte da população se reivindica como o todo. Ou seja, estamos falando de uma divisão dicotômica em que uma parte se entende como o todo e, quando essa parte se entende como o todo necessário e legítimo, ela leva isso ao extremo de entender que o outro pode – e precisa ser – eliminado em sua existência.

Antagonismo
O extremo do antagonismo implica a concentração de todas as virtudes dentro de um determinado grupo. Trata-se da noção de que um grupo concentra tudo aquilo que existe de bom, enquanto o outro grupo externo precisa deixar de existir, seja simbolicamente, sendo esvaziado e proibido de se identificar, seja através de um esvaziamento físico no sentido de fuzilamento e morte, palavras usadas ao longo desse processo.

Reducionismo
O segundo mecanismo é o do reducionismo, isto é, quando alguém projeta um exterior fantasmagórico, em que todas as vicissitudes estão concentradas no outro. Para manter um conjunto heterogêneo de pessoas, é preciso reduzir muito a identidade e dizer quem somos. Esse reducionismo precisa ser algo vazio de significado e flutuante para poder acomodar tantas dissonâncias dentro dessa identidade.

No caso do impeachment, a campanha contra a corrupção dizia concentrar em si todas as virtudes contra a corrupção, mas ela tinha, em sua liderança, figuras notórias e condenadas por corrupção, como Roberto Jefferson, Valdemar Costa Neto, Eduardo Cunha, que era presidente da Câmara dos Deputados. Os partidos que tinham maior número de políticos condenados por corrupção no Brasil faziam parte dessa identidade. Então, como é possível definir uma identidade a partir de uma luta contra a corrupção, tendo tantas incompatibilidades e incongruências dentro dela? É preciso de um significante que seja vazio e, ao mesmo tempo, flutuante de sentido para poder acomodar essas diferenças e manter uma unidade para as pessoas vestirem o símbolo e a noção de identidade.

IHU – Como ocorre a formação da identidade de um grupo a partir desses mecanismos? Como se deu essa formação coletiva no processo de impeachment de Dilma Rousseff?

Danniel Gobbi – Para dar uma noção de como funciona esse processo de formação de identidade do populismo através desses mecanismos de reducionismo e antagonismo, entendemos que eles se articulam em torno de um exterior que é demonizado, que concentra todas as mazelas sociais e todas as vicissitudes. Nesse sentido, projeta-se a noção de que o outro é pedófilo, corrupto, criminoso e apoia as ditaduras. Quem está do lado de dentro do grupo coletivo, obviamente possui todas as virtudes. Mas, a partir do momento em que se identifica qualquer vicissitude no lado interno do movimento coletivo, a força do antagonismo é tão forte, que ninguém pode se manifestar contra ou, de alguma forma, apontar qualquer contradição porque o exterior é um exterior completamente abjeto.

O reducionismo expande a fronteira do “nós” para que qualquer pessoa caiba dentro do movimento coletivo. Se o movimento diz que é contra a corrupção, qualquer pessoa que tenha uma ficha corrida por corrupção pode participar dele, desde que diga que está contra esse significante vazio que está no exterior que, no caso, era o petismo.

Petismo como bode expiatório
O petismo foi o grande bode expiatório, o grande espantalho utilizado pelos movimentos da campanha favorável ao impeachment e, obviamente, toda a corrupção foi projetada para dentro do partido. Inclusive, a corrupção que o PT combateu de maneira bem intensa no seu governo, ao ampliar os mecanismos de controle, fortalecendo a Polícia Federal e aumentando a pesquisa e exposição dos casos. Houve uma projeção fantasmagórica que não precisava existir na realidade. Basta que ela exista no campo simbólico e que seja percebida e aceita pelas pessoas, que esteja dentro desse elemento da intersubjetividade e se transforme em uma linguagem compartilhada.

Quando adicionamos à noção de enquadramento e à noção do processo de formação do populismo a literatura de mecanismos e processos, estamos trazendo uma epistemologia para abordar esse fenômeno, o qual não implica uma noção de totalidade. Não dizemos que quando esses mecanismos entram em ação, necessariamente vai surgir uma identidade populista, coletiva e de extrema-direita. Estamos dizendo que vetores sociais e mecânicas sociais iniciam e dão sentido à construção de um processo e, naquele caso, foi um processo de “desmocratização”.

Desmocratização
Foi um processo de ‘desmocratização’ porque a democracia, concebida de uma forma pluralista, exige o reconhecimento da legitimidade do outro, daquele de quem eu discordo, exige a legitimidade dos formadores de opinião, exige que se tenha uma esfera pública informada. O processo de desinformação e demonização do outro é incompatível com a democracia. Quando esses mecanismos e processos são construídos dentro de um espaço democrático, eles tendem a gerar uma ‘desmocratização’ generalizada.

A noção de mecanismos e processos tende a nos afastar de uma sociologia descritiva que entende que cada caso precisa ser analisado como um caso em separado para tentar entender mecanismos que se reproduzem em casos diferentes. Esse processo observado no Brasil não é exclusivo do país. Esses mecanismos operam também em outros lugares. Na Alemanha não é muito diferente com o caso do movimento identitário, assim como na França, nos EUA. Ou seja, observamos mecanismos operando em contextos diferentes e eles ajudam a explicar um pouco como democracias consolidadas, e em franco processo de inclusão social, de crescimento e desenvolvimento, entram em processo de esgarçamento do tecido social e das instituições democráticas.

IHU – Quais são estes mecanismos?

Danniel Gobbi – Existem três níveis diferentes de mecanismos: o cognitivo, o relacional e o ambiental. O ambiental compreende situações em que a condição das relações sociais se altera por fatores externos e mudanças conjunturais. Por exemplo, um realinhamento global pode transformar a conjuntura interna porque os atores internos enxergam que têm aliados diferentes, ou pode ser uma situação de seca que agrava as condições de vida em um determinado espaço, ou uma mudança tecnológica como a que estamos vivendo, com a ampliação dos meios de comunicação e redução dos curadores de informação profissionais, como são os jornalistas dentro da imprensa, que acabam facilitando um ambiente de desordem informacional. Esse mecanismo ambiental, a partir da mudança tecnológica, foi o que permitiu com que grupos se articulasse e que novas pessoas tivessem voz. Ao contrário da expectativa da teoria democrática, segundo a qual uma comunicação mais livre e mais aberta nos levaria a uma democracia mais vibrante, o que observamos é uma experiência contra essa expectativa.

Ao mesmo tempo, os mecanismos de antagonismo e de reducionismo são mecanismos relacionais e cognitivos porque eles dão sentido para o indivíduo. Ou seja, quem luta contra a corrupção concentra em si todas as virtudes sociais, enquanto em outro grupo estão todas as vicissitudes. Mas, ao mesmo tempo, o mecanismo é relacional porque altera os padrões e posicionamentos dos atores dentro da sociedade e articula uma nova identidade coletiva.

IHU – Quais foram os enquadramentos mais frequentes na campanha do impeachment de Dilma?

Danniel Gobbi – Primeiro, vale a pena frisar que foram feitas quase 50 mil postagens no Facebook durante aquele período. As cinco organizações que acompanhamos e foram muito ativas no impeachment da ex-presidente Dilma são as seguintes: o Movimento Endireita Brasil, o Movimento Brasil Livre – MBL, o Movimento Nas Ruas, o Movimento Revoltados On-line e o Movimento Vem pra Rua. São cinco organizações diferentes, que falavam para públicos diferentes, com objetivos diferentes.

Nos enquadramentos de diagnóstico, percebemos uma homogeneidade muito grande: todos eles tinham como principal enquadramento a ideia de que estavam lutando contra a corrupção. Lutar contra a corrupção é uma coisa muito interessante, pois quem seria a favor da corrupção? Quem vai se colocar dizendo que é favorável à corrupção? De fato, é um significante vazio, sem sentido, porque ninguém vai se apresentar favorável à corrupção. Esse enquadramento estava associado a qualquer coisa que acontecesse ou desse errado. Se uma pessoa não conseguia acesso a uma vaga no hospital, por exemplo, a culpa era da corrupção. Ou seja, não tinha muita variação no enquadramento de diagnósticos dos problemas sociais brasileiros.

Em relação aos diagnósticos, os enquadramentos eram relacionados à ideia de impunidade, de que o socialismo e comunismo imperam no Brasil, e que há uma má gestão pública.

Nos enquadramentos de prognósticos, que trata das soluções para a crise, também houve uma certa homogeneidade. A solução para todos os problemas do Brasil era o impeachment e a retirada do PT. Havia muitas promessas em relação a isso, dizendo que o preço da gasolina cairia pela metade depois do impeachment, que o desemprego iria zerar, o dólar passaria a valer um real e todo mundo poderia viajar para a Disney. Enfim, surgiam promessas miraculosas associadas à mesma ideia: que a solução para todos os problemas brasileiros era o impeachment da Dilma ou a derrubada do PT. Portanto, a partir do momento em que se faz uma projeção fantasmagórica de que a corrupção no Brasil era culpa do PT, o próximo passo para imaginar a saída da crise e a resolução dos problemas foi, obviamente, a derrubada do partido.

O terceiro enquadramento, o motivacional, analisa por que razão as pessoas foram para a rua. Esse foi o enquadramento que mais variou e que explica um pouco a diferença entre os cinco grupos. Esses grupos são diferentes, têm interesses diferentes e são movidos por identidades distintas. Alguns se reconhecem como sendo mais religiosos, outros mais seculares, mais nacionalistas, mais pragmáticos.

O motivo de as pessoas irem para as ruas, participar dos protestos, assinar petições e ajudar a pressionar os parlamentares a votar pelo impeachment da Dilma foi mais variável entre esses grupos. Isso explica a capacidade de ampliação do público que participou das manifestações pró-impeachment. No caso do Movimento Endireita Brasil, a moralidade, a religião e um criticismo da esquerda eram os aspectos que moviam o grupo. O Movimento Brasil Livre sempre fomentava a noção de participação nos protestos como algo engrandecedor e, posteriormente, o enquadramento de moralidade e religião era forte entre eles. O Movimento Nas Ruas apelava para um sentimento patriótico, um valor e um sentido de nação. De todos eles, o Movimento Revoltados On-line era o que tinha o maior apelo à religiosidade e, depois, ao nacionalismo. O Movimento Vem pra Rua trabalhava principalmente com a noção de que uma pressão sobre os políticos, instituições e empresários levaria às soluções necessárias, que, no caso, era o impeachment da presidente.

Quando observamos o enquadramento da corrupção, voltamos à pergunta: Quem é a favor da corrupção? Uma vez que está taxado que quem é “contra nós”, isto é, contra o movimento coletivo, é a favor da corrupção, como será possível articular qualquer possibilidade de debate através das fronteiras de identidade, do nós e do eles, de quem nós somos e de quem nós não somos? A corrupção é um significante vazio utilizado corriqueiramente em vários lugares do mundo. É um falso debate. Da mesma forma, se o grupo se identifica como sendo “cidadão de bem”, quem vai, do outro lado, dizer que é o mau cidadão?

Mas é permitido, dentro desse significante vazio e dessa articulação indenitária e sem sentido, que uma pessoa se coloque como cidadão de bem e fale abertamente a favor da sonegação dos impostos ou declare frases misóginas, racistas, homofóbicas. Essa forma de articulação nem sequer recebe crítica e esse é o problema. Se nos entendemos como uma identidade democrática, que preza pela igualdade de gênero, não há espaço para a misoginia, para o racismo e a homofobia. Mas essa articulação fantasmagórica contra a corrupção permite e tolera muita coisa dentro dela, uma vez que projeta um exterior tão abjeto.

Essa identidade que se forma a partir desses movimentos é bastante precária e por isso ela oscila de sentidos. Em determinados momentos, alguns grupos vão se enxergar nessa identidade, enquanto alguns grupos rapidamente saem. No discurso do MBL, antes do impeachment, eles chamavam os servidores públicos para participarem do processo e entendiam que os servidores públicos faziam parte da luta contra a corrupção. Em um segundo momento, o discurso deles mudou e os servidores públicos passaram a ser vistos como parasitas. Esse é o tipo de transformação que mostra como os significantes são flutuantes.

É importante perceber como essas formações identitárias são precárias para entendermos a natureza desses processos e fenômenos. Ou seja, como esse fenômeno tem uma capacidade de se desfazer pela impossibilidade de cumprir com as promessas feitas inicialmente. A promessa de impeachment da Dilma era vista como a resolução de todos os problemas do país, mas estamos até hoje esperando o dólar voltar ao valor de reais, estamos aguardando o preço da gasolina cair pela metade, o desemprego zerar no Brasil. É óbvio que, uma vez que essas promessas não se realizam e essas demandas permanecem desatendidas, elas geram uma série de frustrações e, em função disso, essas identidades precisam se rearticular.

IHU – O que se constrói a partir destes movimentos?

Danniel Gobbi – O que se constrói como resultante desses significantes vazios é, em boa parte, uma significação através do personalismo. Ou seja, não se sabe mais quais são os valores que articulam essa identidade internamente. Elas vão oscilar e variar e a melhor forma de, a partir daí, definir a identidade é através do próprio líder, através de uma projeção. Quando se consegue definir valores, e definir com clareza, as instituições que representam determinada articulação indenitária, é muito mais fácil as pessoas se identificarem.

Dizer-se cristão, por exemplo, ainda que seja uma identidade com uma variação muito grande, porque vários grupos se denominam cristãos, significa reconhecer um conjunto de valores compartilhados que identifica as pessoas. Quando esses valores começam a se esgarçarem e a perderem sentido, o nome dado ao grupo será a partir da liderança que assume o papel central e carismático. Exemplos são o trumpismo, o bolsonarismo, o varguismo – e essas identidades populistas passam a receber o nome do líder.

Concluindo, em nossa pesquisa, o que verificamos é que, por meio de enquadramentos simplistas e reducionistas, criou-se uma identidade populista de direita no Brasil, que deu fim ao fenômeno da direita envergonhada e começou um período de mobilização de uma extrema-direita antidemocrática.

Foto: Marcelo Camargo | Agência Brasil

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